sexta-feira, 4 de junho de 2010

Entre um gole de whisky e outro, ela foi desabafando comigo, me contava sobre suas viajens, e de como o mundo lá fora parece ser perfeito, então me pediu gelo, estava cansada do estilo cowboy. Ela queria mudar.
Trocou de posição na confortável poltrona de camurça cor de creme, que enchia o canto esquerdo daquela suíte imensa, e eu deitada na cama, despreocupada ouvia a tudo sem prestar muita atenção.
Ela- É, acho que por fim conheço o mundo todo...
Eu- Nossa, eu nunca saí daqui, deve ser tão bom ne?
Ela-É, é sim, sempre parece tudo tão perfeito lá fora que a gente pensa em não voltar.
Eu-Pois é, eu ainda penso em ir...
Foi quando ela se levantou da poltrona, caminhou em minha direção deixando o copo em uma cômoda pelo caminho, sentou-se ao meu lado e disse:
Ela-Posso te fazer uma pergunta muito pessoal?
Eu-Pode ué, você é minha amiga.
Ela-Você é feliz com a vida que leva? Digo, eu sei que acha que é bem casada, e espera a hora certa de ter filhos,e pretende um dia viajar, mas você não acha que é grande demais para uma realidade dessa?
Eu-Bom, é, eu não sei, acho que não entendi...
Ela-Você sabe, eu te amo, mas acho que você vive uma vida que pensa ser boa, sabe? Não quero ofender nem parecer intrometida, mas você não acha que com todo esse potencial, essa beleza, porque eu te acho linda mesmo, você não poderia ter algo melhor na vida? Você sempre foi tão sonhadora, e quis tantas coisas, e sempre me incentivou a viajar e ser independente, sempre me aconcelhou, e eu segui seus conselhos, não sou casada, mas já viajei o mundo todo, tenho conhecimentos que você nem imagina, e você se contenta em me ouvir contar sobre a minha vida, e viver minhas aventuras. Amiga você não acha que tá na hora de viver sua vida?
Parei pra pensar no que ela havia me falado, meio sem perceber me levantei e caminhei até o bar e coloquei uma outra dose de whisky, que bebi em um gole só, me dei conta quando senti minha garganta queimar, então coloquei mais um pouco da bebida com gelo, e fiquei longos minutos pensando enquanto mechia o gelo com os dedos...
Eu-Não sei se concordo com você, sabe, eu tive minhas oportunidades e fiz uma escolha. Não vou mentir às vezes me pergunto se foi a escolha certa, ou se eu queria ser livre como você, a vida de uma pessoa casada não é fácil como se pensa, viver junto dá trabalho, não é só sexo e prazer. Têm as brigas e discussões, e a gente tem que continuar ali na mesma casa, dormir junto. Acho que se eu tivesse escolhido viajar quando você me chamou pela primeira vez, talvez hoje fosse mais fácil, porque eu seria ainda solteira eu acho, e conheceria tantas coisas quanto você, mas acho que não me arrependo, temos conhecimentos distintos, mas ainda sim não sei te responder.
Ela-Amiga você já pensou em dar um tempo dessa vida e sair por aí experimentando coisas novas? Sabe, um novo corte de cabelo, uma nova roupa, talvez perder alguns kilos e viajar por aí, curtindo simplesmente o momento de agora, eu acho que jamais me adaptaria à vida que você leva... Tantas responsabilidades e um mundo tão pequeno quanto uma casa, e ainda por cima um marido, que você tem que cuidar como a um filho, sabe sua vida não é fácil...
E eu ainda estava lá mechendo o gelo com o dedo, ela estava me falando coisas que eu discutia internamente há anos, será que seria mais fácil mesmo, ser uma nova versão de mim e simplesmente ir ter a vida que ela tinha, que parecia tão boa e fácil, afinal eu não tinha filhos meus, mas meu marido me dava tanto trabalho quanto uma criança pequena, eu tinha que mimá-lo, e coloca-lo para dormir, e fazer todas as obrigações da casa, e eu tinha pra mim, só o tempo que passava com ela. E a verdade, é que eu fantasiava enquanto ela me contava as histórias maravilhosas da vida dela, como se fossem minhas próprias histórias, até a hora de ir pra casa e me deparar com aquela realidade. Logo meu telefone tocou...
Eu-Alô?
Ela-É ele?
Fiz que sim com a cabeça e abafamos os risos.
Eu-Não, acho que vou demorar um pouco, ainda estamos conversando...Claro que têm, eu deixei pra você dentro do microondas, é só esquentar...arrã...seu pijama está passado, dentro do seu guarda-roupas... na terceira gaveta oras, onde ficam os seus pijamas....arrã....olha eu não sei, mas acho que o telefone novo da sua mãe está anotado na agenda de recados....sim.... ao lado do telefone, como sempre...claro.... olha eu acho que fecha as 22, mas se estiver aberto eu compro pra você...Diet, ok....Beijo, também amo você.
Ela ficou me olhando com uma cara de perplexidade, até que enfim comentou
Ela-Nossa que são essas coisas todas, você é como um livrinho ambulante, precisa saber de tudo pra dizer a ele.
Eu-Não, ele sabe onde as coisas estão, só gosta que eu diga.
Ela-Pois então, ele depende de você como eu dependia da minha mãe aos 7a nos, e você jamais perde a paciência?
Eu-Na maioria das vezes, mas, desde que nos casamos aprendi a controlar, e virei a protetora dele, ele é carente sabe...
Ela-De que?
Eu-De atenção, de cuidado essas coisas, afinal a mãe dele não esta mais lá neh...
Ela-Nossa! Ela morreu?
Eu-Não...só não mora tão perto, é em outro bairro e acho que ele sente a falta dela, então me trata como se fosse minha obrigação substituir esse papel, durante muito tempo eu relutei, mas hoje vejo que é melhor, evito as brigas...
Ela-Meu Deus, agora entendo porque voê não quer filhos agora, tem que criar ele primeiro neh...(risos)
Acho que aquela conversa estava tomando rumos inesperados, me fazendo pensar de mais....então resolvi que era hora de ir embora, afinal ainda tinha que comprar o tal refrigerante para o meu marido...Me despedi, ela me acompanhou até a garagem, e eu entrei no carro, amarelo, horrível, mas que era a paixão dele.
Fui pensando pelo caminho, o que me levou a ser a mãe do meu marido, ao invéz de ser a esposa sexy, ou algo assim, eu era simlesmente a mãe, a dona de casa que trabalha, e ainda cuida do marido quando chega em casa. Achei minha vida tão medíocre e miserável, me senti inutil...
Quando cheguei em casa, com o refrigerante e tudo mais, ele brigou comigo, eu havia pego o normal, não o diet, acho que estava distraída de mais pra pensar nisso quando parei no mercado.
Ele estava de cuecas, pois não havia achado o pijama, e o jantar ainda estava no microondas, então esquentei o jantar, e fui pegar o piajama, que estava no mesmo lugar que eu havia dito, entreguei tudo a ele, e fui tomar um banho.
Quando fomos nos deitar, comecei a contar sobre o que havíamos conversado na casa dela, o que eu achava da minha vida, e como eu achava que ele deveria me tratar, como era esperado, ele simplesmente me ignorou, disse que ela não era uma boa compania porque enchia minha cabeça com idéias libertárias, eu era uma mulher casada oras, minha única obrigação era de satisfazer os desejos do meu marido, e isso eu estava fazendo, não muito bem mas estava, dito isso ele me mandou apagar a luz e foi dormir.
Percebi que o erro vinha de anos atras, quando resolvi largar tudo e me dedicar somente a ele, quando larguei da minha amizade com ela, para passar todo o tempo com ele, enquanto ele dividia o tempo entre mim e milhares de outras coisas, aceitei o fato de que ele nunca foi lá essas coisas com sentimentos e sempre ignorou tudo o que eu havia feito, como eu aceitei ele reclamar e me dizer como eu estava errada em tudo, porque eu não era como a mãe dele, em como eu aceitei largar meus sonhos por uma vida que era boa, mas não era perfeita..Pensei que talvez fosse tarde de mais para exigir mudanças agora....
Chorei baixinho a vida que levava, afinal a escolha, como ela disse foi minha, pensei em como seria diferente se eu tivesse me imposto desde o começo, pensei, pensei e não vi solução, estava sem coragem de enfrentar o mundo, minha vida, minha casa, meu marido, comparado ao que eu sempre quis, não eram lá essas coisas, a forma como ele me tratava, como se minha única obrigação fosse ser a mãe dele, cuidar dos caprichos dele, sem reclamar, sem merecer uma vida minha. Tive ódio de mim, por estar deitada naquela cama, daquela casa, com tudo aquilo que estava nela, pensei que eu podia ter mais, bem mais que aquilo, só aquilo...Então percebi que estava cansada de mais para continuar pensando, e para fazer alguma coisa. Àquela altura do campeonato, eu só queria um pouco de valor, sei que não sou tão ruim assim... mas estava tão sem forças que simplesmente aceitei que não haveriam mudanças, minha vida seria assim e talvez pioraria um pouco quando meus filhos nascessem, mas eles pelo menos me dariam algumas alegrias....estava tão cansada que depois disso tudo, desisti, vivi imaginariamente algumas aventuras dela em minha mente até que por fim, desgastada por toda aquela onda de pensamentos caí no sono....

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