sábado, 5 de junho de 2010

Despedida

De repente as coisas ficaram escuras, e eu estava sozinha, aonde quer que eu olhasse tudo era escuro e sem cor, as pessoas haviam simplesmente desaparecido. Comecei a achar que era mais um daqueles pesadelos extremamente reais, comecei a usar as várias técnicas que já haviam me ensinado para acordar, afinal elas sempre funcionavam quando acontecia isso. Comecei a me esforçar para acordar, mas não conseguia, foi quando vi uma janela quebrada, e resolvi despertar pela dor, respirei fundo e com a mão espalmada fui de encontro ao vidro quebrado, que formava uma lâmina resplandecente, que refletia o luar sombrio. A lâmina atravessou a minha mão e senti uma dor gelada, seguida de um filete de calor, meu sangue estava morno, quando abri os olhos, ainda sentia muita dor, e o pior, estava no mesmo lugar. Não era um pesadelo.
Eu estava presa em um mundo completamente diferente daquele que eu estava acostumada, sei que eu estava dormindo, porque a última coisa que me lembro foi de me despedir e me aconchegar na minha cama. Mas eu não conseguia acordar, o lugar estava escuro e vazio, completamente vazio, o único som vinha dos meus passos no chão, foi quando vi uma luz fraca saindo de uma janela, fui ver o que era, afinal foi o único sinal de vida que encontrei. Ao observar pela janela, um arrepio frio percorreu minha espinha, a pessoa que estava dentro daquela casa era eu, deseperei e me escorei na parede logo ao lado da janela, segurando meu estômago, como se ele fosse estourar minha barriga. Passei um tempo juntando coragem para olhar de novo, e lá estava eu, sentada em uma cozinha que eu reconhecia como a da minha primeira casa, com um copo de vinho e um cigarro aceso, chorando por um motivo qualquer, quando percebi já estava dentro da casa, sentada à mesa, comigo mesma. Podia ouvir meus pensamentos e eles eram tristes, não me recordava de como meus pensamentos eram sombrios, acho que nunca prestei muita atenção à eles.
Minha mão ainda sangrava um pouco, e eu podia me lembrar onde era o banheiro daquela casa, resolvi ir até lá para lavar o ferimento e colocar algumas ataduras, passei algum tempo me concentrando no sangue que descia pelo ralo. Quando saí do banheiro, olhei ao meu redor estarrecida, eu estava onde uma vez foi a casa que tive meu primeiro filho. E eu mais uma vez, estava lá sentada, assistindo a um filme, com uma barriga enorme, e sozinha. Reparei como meus pensamentos eram diferentes daquela primeira vista de mim, mas ainda erasm tristes, eu tinha muitos medos e dúvidas, mas ao mesmo tempo eram pensamentos alegres, pude ver o quanto havia me apegado àquela criança. Fiquei horas observando a mim, sentada imóvel naquele sofá eternamente, quando comecei a sentir uma dor insuportável, senti algo molhado, minha bolsa tinha estourado...liguei para uma ambulância e tive meu primeiro filho, sozinha em uma noite de agosto em um hospital frio. Nessa hora senti um embrulho no estômago e uma onda de tristeza percorreu meu corpo. De repente as coisas foram ficando nubladas,e eu reapareci, dessa vez na porta de uma escola, e logo reconheci, era o primeiro dia de aula do meu filho. E eu estava lá, triste por ter de deixá-lo ir, e novamente sozinha. Comecei a reparar, em todos os momentos importantes, ou decisivos da minha vida eu estava sozinha, e não conseguia ver mais ninguém, além de mim... Essa viajem continuou por mais algumas horas, que pareceram anos, e eu sempre sozinha por um motivo qualquer.
Por fim cheguei a um ponto onde eu não conseguia mais me ver, mas eu via aos outros, e então entendi, eu estava vendo o que eles estavam fazendo em todos aqueles momentos onde eu precisei de alguém e estive sozinha, cada um levava sua vida. Na primeira imagem, o vi sentado em um bar com umas pessoas que logo reconheci como familiares, feliz, com pensamentos leves, e eu não estava entre eles. Na segunda imagem era uma viajem de negócios, nosso primeiro filho nascia, e eu estava lá sozinha. A terceira vez foi um incidente de família que  impossibilitou que ele nos acompanhasse. Comecei a perceber, que apesar de todos esses fatos, eu naõ me arrependia de ter passado por isso, afinal eu tinha minha família, e me dedicava a ela, meus filhos eram lindos, e apesar de tudo eu achava que era feliz.
Passei horas acompanhando os passos dele e vendo cada coisa que ele colocou antes de mim ou nossa família, como ele dizia não era uma questão de hierarquia e sim de prioridade, jamais fomos prioridade.
E eu nunca havia conseguido enxergar as coisas daquele ângulo, nessa hora pensei que talvez ainda sim fosse um sonho, apesar de sentir o corte em minha mão latejar, eu acreditava que era um sonho, mas daqueles que precisavamos ver, então não era possível acordar antes da hora.
O que me chocou foram os momentos e sentimentos que relembrei durante essa jornada, a maioria deles eu havia me esquecido completamente, mas era em razão deles que eu havia me tornado a pessoa que eu era.
Então fui caminhando ao que reconheci como a minha casa atual, e uma felicidade tomou meu coração, afinal, achei que já era hora de acordar...
Quando fui me aproximando, vi que as pessoas passavam por mim e faziam de conta que eu não estava ali, estavam todos com as feições preocupadas e afoitas. Luzes vermelhas e azuis faziam o asfalto molhado pela chuvinha fina brilhar, e então pensei que algo havia acontecido na vizinhança, e fiquei triste, afinal a senhora do 42 estava muito velha... Mas a hora de todos um dia vai chegar. Quanto mais me aproxiamava, mais estranho ficava, até que vi a Sra G. parada em frente à minha casa, respirei aliviada pois ela era uma velhinha muito gentil, enquanto expirava uma rajada de vento me sugou até dentro da minha casa.
Fiquei chocada, olhando para os lados, sem saber o que fazeer, não podia acreditar, estava confusa, meu filho mais velho me abraçava e chorava sem parar, minha filha estava sentada no sofá, e não conseguia se mecher, entendi logo que ela havia entrado em estado de choque, o bombeiro então veio e disse que meu marido havia sido avisado e estava a caminho. Meu filho agradeceu, e ficou me olhando, com lágrimas caindo dos olhos. Percebi então que o que ele abraçava era o meu corpo imóvel, sem vida. E que aquele sonho era um processo natural, onde podemos ver o que nos aconteceu, fiquei desolada, mas pela primeira vez em toda a minha vida, pessoas que me amavam estavam comigo em um momento decisivo... Mas nem todas que eu amava estavam ali, quando consegui voltar daquele choque, sentei ao lado de minha filha, e coloquei minha mão sobre sua cabeça, ela estremeceu e começou a chorar, acho que ela sabia que eu estava ali. Disse no ouvido dela, *Mamãe te ama, obrigada por estar aqui. Fiz a mesma coisa com meu filho, mas para ele eu disse mais, depois de dizer o quanto eu o amava pedi a ele, * Diga ao papai que também o amo, mesmo não estando ao meu lado.
Alguma coisa me impedia de ir embora, naõ podia deixar meus filhos sem mim, afinal era sempre eu que estava ao lado deles, cuidando e fazendo de tudo por eles. Apesar de eles não serem mais crianças, a dor de deixá-los era insuportável, mas eu sabia que deveria seguir em frente.
Quase que me arrastando, decidi seguir o caminho que, de alguma forma eu sabia que era meu....e assim fiz, a única coisa que me arrependo foi de não ter esperado um pouco mais, afinal, caminhei de encontro ao meu destino, só que mais uma vez tínhamos detinos opostos, e jamais pude me despedir dele....

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